Os que iam adiante o repreendiam para que ficasse quieto, mas ele gritava ainda mais: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim”. Jesus parou e ordenou que o homem lhe fosse trazido. Quando ele chegou perto, Jesus perguntou-lhe : “O que você quer que eu lhe faça?” (Lucas 18:39-41)
Imagine uma cena: “alguém tapando a boca de outra pessoa, para que ninguém a ouça gritar por ajuda, e a arrastando para roubá-la”.
Perdoe-me pela cena desagradável que descrevi.
Bem, eu sei que a primeira coisa que pensamos ao imaginar uma cena como esta é algo material, físico, que acontece exteriormente; algo que alguém poderia ver e testemunhar.
Mas, posso sugerir que esta é uma cena que pode estar acontecendo no interior de muita gente.
Posso propor que esta é uma cena que pode ser o retrato do que está acontecendo com a alma de muitas pessoas ao nosso redor.
Seqüestrados pela dor, calados pela angústia, sufocados por perguntas sem respostas, arrastados pela tristeza, roubados pelas perdas da vida.
A pessoa quer pedir ajuda, mas não consegue. A voz não sai. Ela quer gritar por socorro, mas algo prende a sua voz. Ela engole o grito de volta. Luta para se soltar daquela prisão, mas não tem forças; faz tudo que sabe e que pode, mas não consegue se libertar daquilo que sobreveio a ela, sem aviso.
O texto acima fala de um grito. O grito de um homem. Um homem como você e eu. O grito de uma alma. Uma alma como a sua e a minha. O grito de uma história. Uma história como a sua e a minha. O grito de uma dor. Uma dor como a dor de todo ser humano neste planeta.
Um grito que estava preso dentro do peito de um ser humano que vivia cercado de gente, mas que ninguém conseguia ouvir. Um grito, que, até aquele dia, nunca tinha sido colocado para fora. Era um grito reprimido, sufocado, engolido, aprisionado, trancado dentro de uma alma que sofria. Eu acho que é por isto que quando ele grita todos se assustam.
O corre-corre do dia a dia é tão grande que nós não conseguimos quase nem discernir, perceber, enxergar e muito menos ouvir quem está ao nosso lado. O cansaço, as responsabilidades, os compromissos, as cobranças, as pressões, as demandas são tantas, que, alguém pode estar gritando, do nosso lado, e nós não percebemos. Ou, quem sabe, nós estamos gritando, mas parece que ninguém está ouvindo.
O interessante é que no dia que aquele sofredor resolveu soltar o seu grito; porque, pela primeira vez em sua vida, ele enxergou algum sentido em fazer isto, as pessoas à sua volta tentaram calar sua voz.
Você já percebeu como o grito que vem da alma de uma pessoa pode incomodar os outros?
Não é conveniente gritar. Não é elegante. A sociedade não considera “normal”; só em determinadas ocasiões.
O grito só é válido quando é de festa; quando comemora uma vitória, quando é de riso. Mas gritar de dor? Todos sabem que isto acontece, mas muito pouca gente consegue ouvir este grito.
O fato é que nós não queremos ouvir falar de dor. Pelo menos, nós preferimos não ouvir. Nós preferimos esquecer a dor do próximo e viver a ilusão de um mundo colorido e sem sombras ou escuridão. Até porque, a maioria de nós, está lutando para sobreviver às suas próprias dores e sombras.
Daí que ouvir alguém colocar para fora o seu grito é algo, no mínimo, desconfortável e inconveniente, no meio de uma geração que tentar anestesiar sua própria dor com ilusões e imagens de festa.
Como escreveu um médico: somos uma geração em que é quase proibido estar triste, é quase proibido chorar. Todo mundo tem que estar rindo. Tudo tem que ser apenas euforia.
Mas, entristecer-se diante de muitas situações da vida é a coisa mais normal; humana, saudável e coerente a fazer. É o momento.
Agora, isto só acontece quando ainda se preservou a alma. Isto só acontece, quando a gente não perdeu a alma querendo ganhar o mundo inteiro. Porque eu posso ir ficando tão pedrado por dentro que perco a capacidade de me sensibilizar com a vida.
Quem sabe você tem um grito na alma que nunca teve coragem de ouvir ou de dizer para Deus que ele existe. E, isto, porque, no fundo, você sempre achou que ninguém ia entender você; que as pessoas iam julgar você e que não ia fazer diferença alguma se dar o direito de gritar.
Por favor, entenda o que estou escrevendo. Não estou dizendo para sairmos gritando por aí. Não estou falando de explodir com as pessoas. Não é isto. Ao contrário o que eu estou escrevendo é sobre algo muito mais profundo que isto.
Eu estou dizendo é que se há um grito dentro de você, você não precisa se envergonhar disto. Não precisa ter medo disto. Não precisa fingir que ele não existe. Não precisa negar que ele está aí. Não precisa representar um papel que não é a verdade do seu coração.
Deus não está pedindo isto de você. E ninguém tem o direito de pedir isto de você. Só sabe o quanto dói e como dói quem está sentindo a dor. Se o grito está aí, ele está aí.
Agora, eu estou falando que se ninguém mais está ouvindo este grito que você tem, abafado, sufocado, engolido, reprimido e silencioso dentro de sua alma, Jesus o está ouvindo! Ele ouve os gemidos do nosso coração, Ele entende a linguagem sem palavras da nossa alma.
Pense sobre isto: Ele está ouvindo o seu coração!
E Ele não está julgando você. Não está pedindo para você ser forte e valente. Não está pedindo para você manter um bom testemunho enquanto agride sua própria alma. Claro que não!
Ele ouve as palavras silenciosas, as palavras que nunca foram faladas, os gritos que nunca foram ouvidos. Como está escrito no Salmo 139, antes mesmo que a palavra nos chegue aos lábios, Deus já a conhece toda.
Não só isto, mas, eu estou falando que nós não podemos aceitar que venham tentar calar a nossa voz, quando ela é a voz da verdade do nosso coração para Deus.
Quem sabe como dói a dor que você sente? Só você e Deus.
Então quem está autorizado a mandar que você se cale?
Foi isto que tentaram fazer com Bartimeu, o cego do texto acima. Foi o que tentaram fazer com os salmistas, muitas e muitas vezes. Foi o que os “amigos” de Jó tentaram fazer com ele, em meio à sua mais intensa dor.
E eles tentavam calar aquele grito porque incomodava demais. Perturbava demais. Era inconveniente demais. Não combinava com o quadro que eles tinham da vida. Quebrava a “teologia arrumada e sistematizada” que eles tinham em suas cabeças.
Eles não tinham explicações para aquela dor; não sabiam lidar com aquela aflição. Lidar com a dor e a fraqueza; com os porquês e as perguntas sem resposta era perturbador demais para quem vivia de teorias e doutrinas e não da compaixão, da graça, da misericórdia e do amor.
Há gente que vive mais de teorias, estudos, textos e explicações do que do amor, da solidariedade e da bondade. Só que “o saber ensoberbece, o amor edifica”.
Interessante foi que aquilo tudo aconteceu no caminho.
Veja que o texto diz: “os que iam adiante o repreendiam”. Eles estavam seguindo a Jesus, mas não tinham ainda compreendido o espírito de Jesus. Caminhavam após Jesus, mas não discerniam o Seu coração cheio de graça e misericórdia.
É aí que ao invés de encorajarem, confortarem, animarem e consolarem uns aos outros, na caminhada, eles se colocavam como se fossem “donos” de Deus e administradores do que Jesus ia ou não fazer. Que pena!
Mas, graças a Deus, nem Bartimeu, nem os salmistas e nem Jó deixaram de expressar o grito de suas almas.
Lembra do Salmo 130? “Das profundezas clamo a Ti, Senhor. Escuta o meu grito por socorro”.
Clamor é o grito da alma. E é isto que ele faz: ele clama. Clama das profundezas. Clama a partir do mais íntimo do seu ser. Clama no meio da escuridão. Clama para o que ele não vê. Mas, clama. Deixa a alma ter esperança. Clama a partir da verdade do seu coração diante do Deus que tudo vê, tudo sabe, tudo ouve e tudo entende.
Quem sabe você esteja se sentindo seqüestrado pela dor. Ninguém parece perceber, ninguém parece estar vendo, ninguém parece entender.
Cada um parece estar apenas vivendo a sua vida. Cada um parece estar, apenas, querendo resolver os seus próprios problemas. E a gente “vai levando”. Você está assim?
Por favor, ao ler este texto, olhe, apenas, para si mesmo. Olhe para dentro de sua própria alma, porque, afinal, é você quem o está lendo, neste exato momento. Será que Deus não quer falar nada com você? Será que nada diz respeito a você?
Posso sugerir que Ele está dizendo: “Eu estou vendo”; “Eu estou ouvindo”; “Eu sei”; “Eu compreendo”; “Eu me importo”; “Eu estou com você no meio disto tudo”; “Eu sou graça”; “Eu sou misericórdia”; “Eu sou compaixão”; “Eu não sou uma religião”; “Eu não caibo dentro de uma religião, de uma filosofia ou de um pacote de doutrinas”; “Eu sou bondade”; “Eu sou amor”; “Eu estou aí com você”; “Eu estou agindo, mesmo que você não esteja vendo nada acontecer”.
Se, de alguma maneira, estão tentando colocar uma mordaça em você, saiba que há um Deus que ouve você. Ele ouve além das palavras. Ele já ouvia o grito de Bartimeu, antes que ele começasse a clamar. Deus não precisa que eu clame, sou eu quem precisa clamar. Deus não precisa que eu reconheça este grito; sou eu quem precisa reconhecer que ele está aí.
Mas não para me angustiar com ele; não para passar a viver em função dele, não para transformá-lo na grande questão da minha vida – mas, apenas, para me dar o direito de ser gente e de falar dele para Deus.
O que está tentando tapar a sua boca?
É uma espiritualidade doente que você aprendeu? É o pensamento que ter este grito na alma é falta de fé? É o medo do que os outros vão pensar ou dizer a seu respeito? É o medo de ser rejeitado; ou, até mesmo, a sensação de que ninguém tem obrigação de ouvir suas dores? É o medo de mostrar que você, também, tem fraquezas?
Faça um favor a si mesmo: tire a mordaça!
Sabia que falar que algo dói, algumas vezes, já faz um bem incrível? Poder falar sem ter que encontrar respostas para si mesmo ou para os outros, algumas vezes, já dá um alívio enorme.
Então, não tenha medo de chorar. E se sentir medo, chore mesmo assim. Você é humano! E qual o problema disto?
Se até Jesus, o Deus feito homem, chorou, por que você não pode chorar? Você é gente!
O seu caminho com Deus e o dele com você é só de vocês e de ninguém mais. Então, não sofra por estar sofrendo. Não pense que você tem que se explicar para os outros.
E, por favor, não sufoque a verdade do seu ser diante de Deus, mesmo que, neste momento, ela seja uma verdade de dor. Porque só se caminha com Jesus na verdade do ser.
Quando Bartimeu ouviu que Jesus passava, ele começou a gritar por Jesus. Porque só ele sabia o quanto precisava ser tocado pelo Mestre. Ele não estava em um “culto”, não era uma “reunião especial” que estava acontecendo – ele, apenas, estava assentado à beira do caminho, como fazia todos os dias, e Jesus estava passando, saindo da cidade, caminhando pela rua.
Com Jesus é assim: tudo muito simples; singelo, natural, espontâneo, não planejado, não arrumado e não agendado. O que estava acontecendo era algo entre Deus e um ser humano criado à sua imagem e semelhança.
As pessoas que cercavam Jesus, ao que parece, já se achavam, até mesmo um pouco “donas” e “administradoras” da “agenda” do Mestre, porque elas quiseram que ele se calasse. Elas estavam se sentindo no comando da cena. Eram quase como se fossem os “guarda-costas” de Deus. Dá para acreditar nisto?
Veja que eles repreendiam o sofredor. Eles ficaram entre ele e Jesus. Eles se achavam tão íntimos de Deus que tinham o direito de chamar a atenção de um aflito. É impressionante, mas eles não percebiam a tolice que estavam fazendo.
Só que Bartimeu gritava cada vez mais. E gritava porque só ele sabia como doía a sua dor.
Não é “engraçado” como as pessoas podem se achar tão próximas de Deus que comecem a achar que já sabem o que Ele quer fazer?
Eu não sei o que Deus quer fazer. Tudo que eu sei é o que eu leio na Bíblia e vejo na vida de Jesus. Mas, eu não sei o que Ele vai fazer. Eu só sei o que Ele fez, através da história, quando eu leio as histórias bíblicas.
Eu não sou o intérprete da vontade de Deus na terra. Ninguém é. Nenhum homem, nenhuma mulher, nenhuma instituição, nenhum grupo, nenhum movimento. Somos apenas peregrinos e forasteiros neste mundo seguindo a Jesus. Somos apenas maltrapilhos que escolheram buscar refúgio no amor de Jesus.
Normalmente, a agenda é um livreto, um caderno ou um livro onde anotamos nossos compromissos, os lugares onde precisamos ir, as contas que precisamos pagar, aquilo que precisamos resolver em um determinado dia, os nossos horários e o que pensamos em fazer neles. Isto é uma agenda.
Só que, ainda que eu tenha uma agenda, nenhum ser humano tem a “agenda” de Deus. Nem você, nem eu e nem ninguém. Por favor, nunca se esqueça disto. Isto é algo libertador.
Ninguém sabe o que Deus vai fazer em sua vida ou na vida de outro ser humano, no dia tal na hora tal. Só Deus sabe.
Basta ler a Bíblia para ver isto. Basta ler os Evangelhos, com simplicidade, para enxergar isto na vida de Jesus. Basta ter um pouco de bom senso para entender isto. Deus é Deus. E só Ele é Deus.
Eu sou, apenas, um ser humano; caminhando na terra dos viventes, seguindo a Jesus, com todas as minhas fragilidades e limitações.
Deus nos ama e respeita, mais que qualquer pessoa poderia amar e respeitar; mas Ele faz o que quer, quando quer, onde quer, com quem quer, do jeito que quer e não precisa se explicar para quem quer que seja.
Você se lembra como aquela mulher cananéia passou por situação muito parecida?
Ela veio clamando por sua filha e os discípulos disseram para Jesus mandá-la embora. Você consegue acreditar?
Na cabeça deles, ela estava incomodando Jesus. Era o que eles achavam. Por favor, não os condene. Nós fazemos a mesma coisa tantas vezes, em tantas situações da vida.
Na mente deles não era tempo para ela. Ela não estava na “agenda” de Jesus. Ela não pertencia ao povo certo, era mulher e aquele não era o momento próprio.
Não é incrível que os discípulos pudessem achar que conheciam tanto Jesus que podiam dizer a Ele o que fazer e o que não fazer? Eles disseram a Jesus: “Senhor, mande-a embora!”.
Eles achavam que sabiam o que deveria acontecer e como Jesus deveria agir. Eles achavam que sabiam qual era a vontade de Jesus.
Só que Jesus a recebeu e atendeu o seu clamor.
O pensamento deles ainda era fechado e pequeno demais para entender a dimensão da compaixão, da ternura e da misericórdia de Jesus.
Daí, eu deixo com você uma sugestão muito simples: Solte a sua voz para Deus!
Não viva engolindo a sua dor. Não viva comendo a sua angústia. Não viva agredindo a sua própria consciência. Não se maltrate. Seja bom com você mesmo. As lutas podem ser grandes, mas Deus é bom.
Não é preciso gritar, berrar ou espernear; mas, ser verdadeiro e sincero conosco mesmos e com Deus. Fale com Deus sobre o que aflige seu coração. Fale de verdade. Fale com sinceridade. Fale sem medo. Fale sem os “freios” da religiosidade. Fale sem as “culpas” de uma espiritualidade que ainda não encontrou na misericórdia de Jesus o perdão. Deixe a sua alma falar.
Você não é o super-herói da fé e nem precisa ser. Você não é o salvador do mundo e nem precisa ser. Você não precisa ter todas as respostas. Você não tem que satisfazer todas as expectativas. Você não tem que provar nada para ninguém. Você não tem obrigação de corresponder ao que estão esperando de você. Você é só um ser humano. Apenas gente.
Jesus é o Salvador. Ele é a Rocha. Ele é a Palavra. Ele é o Sustentador de todas as coisas. Ele é o Caminho. Ele é o Pão da vida. Ele é a Porta. Ele é o Bom Pastor. Ele é o Refúgio. É Ele quem nos sustenta e não nós a Ele. Somos todos humanos.
Não aceite ser levado para a “terra do silêncio”, não aceite ser roubado do direito de ser humano, não aceite sufocar sua alma em nome de qualquer mentira.
Se a dor está aí, você tem todo o direito de senti-la e de caminhar com Jesus, mansamente, no caminho da cura.
O que os outros pensam sobre isto é problema deles. Deixe que os “amigos de Jó” fiquem divagando em suas teorias sobre Deus e a dor. Deixe que a multidão diga para Bartimeu calar a boca. Deixe que os discípulos digam para Jesus mandar a mulher embora. Deus não tem compromisso com o que eles pensam ou fazem. Deus respeita você. Ele ama você. Ele se importa. Ele se interessa. Ele está perto. Ele está junto. Ele sofre conosco.
A nós resta fazermos, exatamente, isto: respeitarmos uns aos outros, sermos misericordiosos uns com os outros, compassivos e cheios de graça. Porque é assim que mostramos que somos filhos do nosso Pai que está nos céus. E sabe por que? Porque Ele é assim. Misericórdia. Bondade. Compaixão. Graça.
Deus está ouvindo você. Não tenha medo. Pode falar.
Vale à pena pensar sobre isto.