Ela é solteira. Não
sozinha. Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas, também, sabe deixar
as unhas em cacos quando dá vontade. Adora os cabelos soltos voando ao vento. Esbanja esquisitices ao falar dos seriados
prediletos. E se cala
quando o assunto é sobre o porquê dela não ter namorado.
Ela usa vestidos daqueles clichês
para tomar chá quando o tempo é frio. Ela ri de piadas de humor, ri de videos de pegadinhas exageradamente de passar mal e suas gargalhadas alegram qualquer ambiente. Mas, também, se
derrete mais do que picolé em frigideira quando alguém lembra dela. Mas por que não namora?
Ela acorda, faz uma oração, toma banho, escova os dentes de quem usa aparelho, toma chocolate quente, se arruma e cai no batente, precisa sobreviver. Prefere usar jeans e sapatilhas, mas não despensa um salto alto. Também desbanca qualquer havaiana bonita quando inova em alguma vestimenta cheia
de flores coloridas. Ela é engraçada e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da
novela, da mãe, da filha, do neto, do monstro do lixo, da crise do País, do descaso do governo na luta dos professores. Mas por que tu
não namoras?
Quando o assunto é sexo, ela fala menos do
que escuta. Escuta com os ouvidos, com os olhos, com a boca e com os pêlos da
coxa. Não se relaciona nunca, não se entrega pra não sofrer. Usa um decote comportado. Adora cantar. Fala que têm péssimo tom de voz. Lê Danielle Stell, Zibia Gasparetto, Marc Levy, Jhon Anderson, Caryl Phillips. Mas diz que, também, gosta das minhas histórias.
É estranha também. Assumo! Corta o cabelo
de acordo com as fases da lua e gosta de comer arroz assim que sai do fogo seu rosto desaparece no meio da fumaça que sai do prato. Gosta de
umas bandas que ninguém conhece e chora com filmes de finais felizes. Abre a janela do quarto porque gosta de deitar na posição de morcego de cabeça pra baixo olhando as estrelas e de dormir sentindo o ventinho frio e acaba repousando
feito uma esquimó com meias e edredom. Uma linda esquimó, por sinal. Não sabe
usar o celular. Costuma apertar o botão errado desligando na cara das pessoas ou atender as ligações somente após a segunda tentativa de
chamada. Não, ela não ignora. Ela perde tempo é procurando o celular na bolsa,
debaixo da cama ou na pia do banheiro, embaixo dos livros. Mas, vez em quando, ela sabe ignorar também.
Não sabe dançar. Recusa os convites, mas adora ser convidada. Odora batom, não sai de casa sem brincos, relógio, maquiagem e fones de ouvidos.
Mas por que ninguém conseguiu ultrapassar
esse muro de Berlim que você ergueu no teu peito? Ela desconversa. Ri de canto
de boca tentando desviar o assunto pra longe. Eu
insisto. Falo coisas demodês e jogo no ar o fato de que eu a acho perfeita. Ela
empina o nariz, me lança seus olhos verdes claros e ajeita-se sobre a
mesa. Muda o tom e me fala: “Porque eu não quero”. E eu rio sem graça da minha
maldita ideia de achar que todo mundo quer ter alguém para dividir a vida.